QUEM VEM COMIGO

terça-feira, 27 de agosto de 2013

ENIGMA DA SOMBRA



Venho do sol
lá onde consumo

vísceras e coração

- sonho profundo -

imagem refletida
no rés-do-chão

da pedra

que me habita.

[elza fraga]

CONTRA-PONTO


Prefiro reticência 
semente
do que 'inda
brotaria

acaso a mente
não desse traço...

Talvez vírgula,

consistente arma
espaço
que muda o verso
finge que não diz
disfarça o mal
-dito,

ou-vira anverso
ou finca a raiz

ponto afinal

só no final.

[elza fraga]

Escrito após leitura de questionamento
da poeta Nydia Bonetti

SANGUE QUE ME CORRE VEIAS



Esse sangue 
limpo, decente,

- espanhol e português -

que correu
épocas passadas
em veias ascendentes,
entrou brasis

- atravessando ocidente -

navegando por bahía,
rastejando em minas,

divino
pelo espírito santo,

não priorizou bandeira
não limitou estado
nem fronteira,

esse sangue
ainda corre
em minhas veias

não me peçam
então
moderação
passividade
paralisia

aceitem minha ousadia
de voar mais
e além
do próprio chão,

não me prendam
algemas invisíveis,

não me tatuem
- tinta indelével -
a mão,

sou tão livre quanto
o grito do meu povo

- e decidi :
Não falho na missão -

arrebento
de novo,
e de novo,

quantas vezes
se fizer necessário

os seus pérfidos grilhões,

senhora escravidão.

[elza fraga]

SOBRANÇA



Longe 
na ignorância
companheira
de infância

a inocência
ainda permitia 

e tinha sonhos

corri atrás
um a um
e vi

n'um vórtice medonho

todos ruírem
pelos dedos

agora

só tenho medo!

[elza fraga]

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

EU NÃO PERDI O MEDO DA CHUVA


Deixo que me molhe o rosto,
o cabelo 
grudado no pescoço,

o frio enterrado lá no osso,

o vento chuvoso
que me completa
em desmazelo.

A covardia e o medo
continuam aliados,

cada um de um lado
segurando os cotovelos

gastos,

a chuva passa,
só eu
- qual estátua
cinzelada em gelo -

não passo.

[elza fraga]

NÃO TEM GENTE



Sem remorsos 
me tracei degredo
me fechei no medo

- tranquei bem a porta -

Evitei a rua
apaguei o dia
acendi a lua

- me fingi de morta -

Desculpem a covardia
mas hoje

não estou pra poesia.

[elza fraga]

Imagem : Frase de Caio Fernando Abreu.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

QUANDO O SINO CHAMAVA


Hora da obrigação
da oração
da conversa secreta
da união com o alto,

esgueirava pela nave principal
fugia pela lateral
ouvindo a cantilena
que não entendia,

vozes desencontradas
desafinavam
a ave maria,

enfim rua
enfim rosas
perfume de vida.

O cheiro da velhice
das velas
do incenso

preso na capela,

e eu tão criança
não cabia lá dentro.

Não era espírito ateu
apenas não era,

só queria ser natureza
passarinho
pedra na ribanceira
caminho diferente,

- menos gente
- menos ritual

descia correndo a ladeira
com a imaginação
armando o enredo

será que Deus afinal
perdoaria
minha heresia?

O sabor do pecado
queimava a mão
no missal apertado nos dedos,

até hoje trago as dúvidas
e o medo!

[elza fraga]


Imagem :Foto elza fraga
Igreja de São Sebastião - Espera Feliz - MG

domingo, 18 de agosto de 2013

TRIUNFO



Enquanto restarem poemas,
a esperança lutará pela sobrevivência.
E triunfará. 

elza fraga

APENAS...



Um poema 
não tem obrigação
de pegar rumo
ter noção
tomar tenência,

é só uma urgência

de desocupar o coração
das tralhas
que se engaveta,

abrir garganta
desfazer o nó,

escrito
com o sangue do poeta

e só.

CANÇÃO DE CAMINHAR NO MAR




Caminhante solitário
onde vais a caminhar?
Buscar meu barco de sonho
e colocá-lo no mar.

Caminhante por acaso
ignoras 
que é proibido navegar
no mar salgado e tristonho
com suas águas a turvar
do sangue de tantos homens
que não souberam remar?

Mesmo assim quero tentar
e se nessa travessia
o meu barco derivar
me deixo ao sabor das ondas
enquanto o corpo aguentar
rezando por calmaria,

que nada entendo de remos
nem de vento e direção
mas entendo o coração
dos donos das águas frias,

os senhores do oceano,

eles vão mudar os planos
e me deixar deslizar
por todas as noites
e os dias

até a vida passar
e afogar a rebeldia,

que a terra me dê valia
enterre meu caminhar,

aceite os restos do mar.

[elza fraga]

ABSOLVIÇÃO




[in nomine Patris]

A partir desse momento
qualquer poesia serve
para apagar 
o sofrimento

e redimir toda a culpa

desconsiderando antecedente.

Julgada totalmente
procedente.

Publique-se
e
cumpra-se.

[elza fraga]

CONSAGRAÇÃO



Quando me pegou a mão,

encostou teu coração
num abraço

e cantou alto
pra me acalentar a alma

- consegui de volta a calma -

Senti o calor que sentia
na infância
quando a mãe cobria
meu corpo magro.

E eu te consagro
amiga

para além da vida

amem!

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

PORTAS FECHADAS


[lembrar não é ver, é sofrer]

Quando partiram
os amigos, o cão,
um e outro conhecido,
rumo ao desconhecido
e fecharam a porta
para além da Terra,
assustei a solidão
com a promessa
de preencher as vagas
em aberto.

Quando voaram
os que dava como certo
no aconchego do ninho,
e também cerraram portas
desse mesmo lado
onde ainda transito
afogada
no grito,

chamei a solidão
para a última conversa:

Se queres ficar, fica,
mas calada,

só não me esqueça
essa porta aberta!

[elza fraga]

PLANO DE VOO



Pra que se ter o coração
preso no laço
de uma única paixão

se o amor
liberta mais
comporta mais

agrega mais.

Cabe mais gente
- livre -
no sentimento
de amar

do que cabe
no ar
do entardecer
aves em formação
de V...

só no abrir mão
- deixar voar -
concretizamos
o ato

da liberdade
de fato!

[elza fraga]

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

ESCONDERIJO



Quando falo
calo muito mais
palavras
que as poucas
rotas
ditas

- emudeço tantas! -

Bendita hora,
que virá,
em que palavras
não mais
se esconderão

no coração
das gargantas...

[elza fraga]