QUEM VEM COMIGO

domingo, 28 de setembro de 2014

PLANOS


PLANOS

Chegará o dia
em que
não estaremos mais aqui
e de onde quer que sejamos
apenas mais fio de luz
para o universo
repudiaremos os dias
em que nada fizemos
além de planos, planos, planos...
deixando escoar o tempo
entre dedos dispersos

(elza fraga)

AVESSO

AVESSO

O que tem dentro de mim
que desconforta
como espinho ferindo a alma dura?

O que tem dentro de mim
que não se cura
com os remédios de amor
que estou tomando?

O que tem dentro de mim
além de pranto
além da profundidade
da ferida?

O que tem dentro de mim
que leva a vida
e paga com parcelas de amargura?

Alma nua sente frio na estrada
porque tem dentro de mim
um imenso nada
como buraco
cavado para o enterro
dos medos
que vivia carregando...

(elza fraga)

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

INVISÍVEL PRISÃO


E o pássaro perdeu a vida
preso,
morreu seu canto,
caiu-lhe as penas
e nem chorou
- nada sabia de pranto -
abateu-se indefeso.

Teve pena de si
deu a morte como certa.

Esqueceu
por todo tempo
de olhar a porta da gaiola

aberta

[elza fraga]

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

RES-POSTANDO

(Respondendo aos que patentearam suas certezas)

Permita-me,
caro amigo,
a opinião
mesmo que esteja
errando no pitaco.

Penso diferente,
sou eloquente
e falo
quando certo seria
o calo,
mas como cada um sabe
onde o seu aperta
descruza as mãos
da minha garganta
pro meu berro ecoar inteiro.

Como todo bom brasileiro
me estico
nas magias e artimanhas
pra chegar inteiro
no fim do mês
quando o salário,
salafrário,
já partiu
pra fonte que o pariu.

Sobrevivência
aprendi fora da escola,

e sem direito a cola,

então muda a sua certeza
pro andar de cima
e me deixa,
por delicadeza,

me virar nos trinta
ou virar a mesa.

[elza fraga]


sábado, 1 de fevereiro de 2014

COMUNICADO


Quando ficar bem velhinha
- que os anos me pesem pouco -
não escutarei os netos
me farei de ouvidos moucos,

usarei chapéu lilás
de abas escancaradas,
flor na gola da camisa,
pisarei com a sandália
na barra da saia rendada
alvejada de branquinha...

E em licença poética
flertarei com o motorista,
com o porteiro,
ascensorista,
e quem mais me der na telha...

E mesmo que chegue aos cem anos
Deus me livre de ser velha!

[elza fraga]

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

MINTO PORQUE TE AMO


Minto porque te amo
e verdade dói como facada
na jugular.

Minto porque a realidade
é feia demais,

ninguém aguentaria
sem anestesia.

Minto não só porque
analgesia
e protege,

é porque teu coração
fraco,
rapaz,
não suportaria
minha história pregressa.

Minto porque a mentira
que possuo
é leve como a brisa calma,

e a verdade
ah, essa pesa e inquieta
até minha alma
que é feita
de couro curtido
do dragão
mascote de Átila,

e é sombria
como noite fria sem coberta.

E minto
até o fim

 pra te proteger de mim.

[elza fraga]

sábado, 11 de janeiro de 2014

...E SE?


E se eu conseguisse você
numa tacada de mestre?

Remédio
em amostra grátis?

Brinde de supermercado,
vitrine exposta
quase a preço de custo?

Ah... O  susto
não me  valeria
a mercadoria.

A facilidade mataria
a vontade
de radicalizar
e canibalizar
os seus despojos.

Só o que dói fundo assim
[o que machuca até o osso]
como
esse seu ar de desgosto
e a sua apatia
quando me vê
em plena correria

procurando o seu afago,
balançando o rabo,
e ganindo de alegria
atrás da coçadinha
no pescoço

é que faz valer o jogo.

O que dá prazer e gozo
é a caçada
quando se tem a caça rara
e arisca.

Arrisca
que me venha inteiro
e eu,
num ato
de puro masoquismo,

empurre o que poderia
ser
pro fundo do abismo
dessa existência
enxabida

e transfira tudo
pra próxima vida?