QUEM VEM COMIGO

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

NUNCA MAIS



Um sotaque perdido, talvez de uma vida anterior a esta, me surpreendeu enquanto recitava poesia na concha da sua orelha em leito de lençóis amarrotados.
Parei, paramos assustados.
De que longe passado, de que espaço, havia saído assim, fugido de mim, esse enrolar de língua doidamente machucado?
De que pedaço esquecido na memória do tempo, de que dobra da pele, de que desconhecimento, de que peça ou filme, de que partida fantasia, de que ilha abrigada no meu peito?
De onde saiu esse idioma desconhecido que nos feriu ouvidos? Com certeza não veio desse leito.
Veio de tão fundo que nos deixou entorpecidos e até o amor perdeu os seus habituais ruídos.
Fizemos um amor novo, estranho e diferente, como crentes em silêncio profundo, e nos reconhecemos além desse mundo num globo perdido no espaço e no tempo.
E descobrimos que a gente vem amante faz tantas vidas que não há mais saída, nos achamos entre laços e espirais, por mais que o deserto nos apague os passos. Estamos condenados ao ancoramento num mesmo cais.
Nunca mais haverá um nunca mais...
[elza fraga]

domingo, 25 de dezembro de 2016

O QUE SOBROU DO PASSADO


Quero só ouvir a sua voz
mais nada,
trazendo de volta a história
e atualizando no presente,
sem erro, sem quebra de link,
vinda da caixa da minha memória
buscando passado distante
nos tintins do nosso drink
e sussurrando
(tão amante como em outras eras)
um bom Natal com promessas insanas
iluminando novamente a vida
estraçalhando bocas como feras
e desmanchando para sempre
a cama.
[elza fraga]
Imagem: Versos de Nando Reis

AINDA ASSIM


A minha chama ainda arde
sempre arderá
não importa da sua ausência
a cicatriz
a lembrança do que foi persistirá
por todos os Natais
maior e mais viva
sempre mais
mesmo que o tempo
traga chuva/ lave a árvore
não desmanchará os galhos
não levará a raiz
sentimento não se apaga
como se remove
de quadro rabiscado
o que foi escrito a giz...

[elza fraga]
Imagem: verso de Nando Reis

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

INCLINA-ME


Se fico
sofro
se parto
morro
se paro
esbarro
no coro
dos dissimulados.
Que lado
escolho?
[elza fraga]

ÚLTIMO APELO



Segura-me forte

[porque sei que sou
pássaro sem norte]
     
pelas asas abertas

[sem direção
sem rumo, sem metas]

prenda-me ao chão

[quando estiver solta
jogada a própria sorte]

impeça-me o voo

[não deixe seu coração
me abrir a cela]

e me desvela

[evite o caminho sem volta
- o vidro escancarado da janela]

não me empurra as pesadas asas

[abrindo na alma cansada e só
o mais fundo corte]

me condenando sem dó
a morte.

[elza fraga]





segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

ACELERADOR


Não quero a ostentação
de amor
em carinho 
letal arma empunhada,

quero o segredo
e a delicadeza
no ninho
onde dormem
protegidos
correndo cativos
para todo o sempre

- embalados no seio -

os suspiros
os arrulhos
os arrepios

do que não freio.

[elza fraga]

domingo, 18 de dezembro de 2016

QUANDO O AMOR ENVELHECE



Repudiado, cuspido,
recusado, ironizado,
pisado como se fosse
folhas velhas de idade
caídas no chão de outono

foi-se o amor pelo tempo
caminhando de bizarro
envelhecendo - coitado -
bengalando por vingança
quem lhe queria detalhes,

esse amor incomodado,
e hoje ao pé do fim,
vai atravessar o beco
das almas dos não amados
na tentativa bendita

de retornar ao passado
tentando fugir do fim
pra voltar recomeçado,
renovado, remoçado,

correndo em busca de mim.

[elza fraga]

ESTAGNAÇÃO



Acontecem coisas o tempo todo, todo o tempo, boas, más, mais ou menos, invisíveis, risíveis, sofríveis, passionais, formais, normais, estranhas, umas reviram as entranhas do universo, outras só servem de pano de fundo para versos, algumas despem e se despedem sorrateiras, outras ficam uma eternidade, só de maldade pra mostrar que o frio queima tanto, ou mais, que as brasas da existência, só em mim nada acontece nem um acaso

- águas paradas - tudo é morno in-disposto ou raso.

[elza fraga]

METADES




Quantos pedaços 
de mim
forasteiro
você ainda
precisa
pra se fazer
enfim
inteiro?

[elza fraga]
 assistindo a vida escorrendo nos dedos.

Imagem: Trecho de poema de Ferreira Gullar

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

RETRATO FALADO COM PHOTOSHOP



Eu digo, mas me contradigo quando vejo a besteira que disse.
Eu sou radical, mas mudo de opinião quantas vezes forem necessárias.
Eu sou fogo nas ventas, mas amoleço na hora certa, com a pessoa certa.
Eu sou ferina, mas doce, e meiga, e afagadora, para merecedores.
Eu sou desafiadora, mas refém na medida do possível.
Eu sou bruta, mas de uma delicadeza que só quem conhece confirma.
Eu sou feroz, mas domesticada quando chamam pras coleiras e gaiolas com jeitinho.
Eu sou livre, mas prisioneira dos possíveis encontros e encantos.
Eu sou de mim, mas sou do outro quando o outro me merece.
Eu sou complexa, mas de uma simplicidade de fazer cair o queixo.
Eu sou modesta, mas não queiram conhecer meus dez por cento de arrogância.
Eu sou leal, mas não me traiam por delicadeza, eu viro a mesa.
Eu sou tolerante, desde que não me venham com intolerâncias.
Eu sou autoritária, mas se pedir com jeitinho até obedeço.
Eu amo, mas eu detesto no momento seguinte com a mesma força, então não me testem os limites.
Eu sou autêntica, ah - isso é imutável, não tem negociação!
[elza fraga sendo elza fraga]

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

NA TERRA DO AQUI DENTRO



Aqui dentro do meu peito o terreno é estranhamente sombrio e triste, todo tomado de ervas daninhas.
Cresce só o mato, sem planejamento, sem semeadura, sem plantio de galhos, sem mão diligente e dócil a acarinhar o chão tão fértil.
Os torrões de terra aparecem nas raízes, encharcados.
Muito choro rega a indomável hera.
Muito choro rega cada pedacinho de chão.
Muito choro chorado pra dentro no escuro existente, em leitos inimigos feito de folhas amarelas, que não trazem mais descanso de sono, não trazem mais acalanto, não trazem mais conforto, só entendem mesmo de pranto e de estender nas costas o duro da pedra.

Não há cuidado do proprietário em aparar a grama, arrancar as ervas más, fazer semeadura de flor. Deixa que cresçam espinhentas e malévolas autônomas quimeras, formando colunas onde não entra a claridade de um sol matinal, ou de uma estrela piscante, ou de um clarão de luar em frias madrugadas nascentes.
O único interesse é desbravar um minúsculo pedaço, armar a rede no espaço menos denso, se balançar um tanto, descansar até bastar, se fartar da seiva que a terra ainda oferece.
Cada vez mais rara seiva, cada vez mais agreste seiva, cada vez mais murchante seiva.
Dar pausa pra sonhar um pouco, enredar as pernas, nunca a alma, se revigorar para a busca do que nem sabe onde está, ou se existe em um outro canto.
E então, mais triste do que triste era, partir pra outro terreno, outra terra.
Partir que a vida é uma estrada que leva muitas vezes a lugar nenhum.

Sem entender que nesse território aqui é que mora o viço e o vício, a desolação e a ternura, a amargura doce e a urdidura, a paz e o suplício, a consolação e o medo.
Sem entender que é aqui nesse regaço cheio de mato e sombra que o sol se fará nascer num dia de festa, e as cores dominarão os muros, e as flores poderão sim invadir tudo, e tudo voltará a ser então como era.
Sem entender que é só ele chegar e entrar, dominar, esquentar, sorrir, plantar.
Estar presente em toda a trajetória.
Inventar a mais doida e linda história que alguém sequer pensou em escrever.

Esquecer as vielas paralelas, a chamada dos pássaros lá fora, as flores que se abrem convidando em outras terras, a vida que estua em carnes belas, a juventude lhe pedindo mais e mais ausência do meu regaço que é o seu recanto, do seu lugar que é o meu profundo peito apertado, e quente, e aconchegante.
Esquecer os outros colos, outras pernas, outras matas, outras regas.
E se deixar ficar na rede agora eterna.
E sorrir, e cuidar, e fazer do indomado mato um jardim, e semear seus braços no ‘aqui dentro’, e enfim plantar o seu único jardim
em mim!

[elza fraga]

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

EN-SAIO SOBRE O AMOR

O amor atropela, fura sinal, avança e segue pela contramão da temperança e da lucidez.
O amor não pede licença, não bate na madeira da porta, não toca campainha, não avisa a chegada antes de entrar.
O amor é sorrateiro, sinuoso, perigoso, ardiloso, cheio da empáfia que o nome lhe permite.
O amor não segue setas, não respeita domínios, não retrocede na esquina, não desanima no fracasso.
O amor insiste, vence, domina, se impõe, repete a lenga lenga que sabe funcionar no coração marcado para abate.
O amor não é fraco não, não cai pelo caminho, não se deixa abater, desanimar, descalçar;
Amor de verdade volta todos os dia a mesma hora, ou em horas incertas quando quer causar aflição. Mas volta, nem que seja pra lembrar que ele está vivinho.
O amor não é pra amadores, não é para espíritos frágeis, não é para covardes.
O amor é para matreiros, caçadores, guerreiros armados.
Não é pra quem se defende escondido pelas cobertas do medo
É pra quem tem ousadia.
Amor não é brinquedo, mas quebra, acaba a corda, se entorta e vai embora.
Escorrega pelos dedos como areia, não deixa nem presença, mas deixa gosto.
A alma sabe disso e se preserva, e se retira, e sai da arena, e perde o melhor da festa.
Porque o amor é grande demais pra caber numa vida só, ele atravessa, e segue.
O amor é doença, então atenta e fuja da vacina, melhor ter amor umas dez vezes na vida e contagiar aos incautos, que ter o remédio... Porque o amor pode ser tudo, pode ser nada, pode ser o que caiba no peito, mas nunca deve ser usado em doses altas como remédio, em dúvida leia a bula!

[elza fraga]
...

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A NOSSA ESPERA


Sabia que viria
pelas cortinas da janela
sempre abertas
vi seu sorriso
chegando na esquina

sabia que viria
não me deixei
tomar o desespero
nem o medo
nas noites vazias

só esperei
e tão longa foi a espera
que os anos passaram
como um vento na cancela
sobre tanto tempo insone

e na minha prece
murmurei seu nome
e na minha fome
foi ele meu pão
o santo da minha devoção

mas em verdade
a sua imagem
congelada na retina
me poupava da vida
me salvava da sina

me preservava menina
presa da esperança

mansa
sabia que um dia enfim
você viria de novo para mim
e tudo voltaria a ser o que era
em outras eras

e agora que dobra
a curva do caminho
alquebrado
talvez por tantos ninhos
tantos pousos que sentiu

seu coração

eu apenas estendo as mãos
e abro meus braços
prendo você
no mais doído abraço
e lhe mostro as setas

acerto seu peito
no meu peito
sua cabeça repousada
em minha testa
e cerro as cortinas

agora que é tudo festa
(ai quem me dera)
que nunca mais se abra
a porta
a cancela

a janela

o portão de ferro
a tramela

que só a eternidade
se abra

a nossa espera...

[elza fraga]

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

POESIA NEM SEMPRE É BIOGRAFIA

Meus poemas não sou eu, não me retratam, não me denunciam, não biografam... São poemas apenas que contam histórias recolhidas em filas, em ruas, praças, parques, na ventania das manhãs e tardes.
Minha poesia não me define, não conta o meu tempo, meus dias, não fala nada da alma, que essa - a minha, é calma como uma menina que ainda não aprendeu as armadilhas da vida, apesar da cronologia covarde não deter os aniversários.
Não esperem nada meu dentro dos poemas que escrevo, não me ato em fitas e me jogo ao relento, ao julgamento dos que seguem a mesma trilha, apenas passo registrando o que os pássaros me contam, os que as flores me segredam, o que as pessoas não mais me sonegam, e de maravilha em maravilha, vou correndo todas as coxias, arregalando o meu olho deslumbrado em perceber como esse mundo é vasto de histórias.
Não sou eu nos meus poemas, apenas o que a memória registra, grava na fita das emoções e traz tentando ajeitar, romancear, fazer bonitas as passagens antes feias. 
Leiam como ficção, e se lhes falar ao coração, não se sintam constrangidos em reconhecer situações.
A minha poesia cabe em qualquer um que respira, tenha a idade que tiver. Nem a crença que o habita, o status, a ousadia, o temperamento, pode afastar aquele que se habilita à poesia, do poema que lhe fez vestimenta! 
Fique a vontade, se vista, se queime, se ache...
Que eu, daqui, também me ardo, e alicerço, em versos. 
#SóAPoesiaSalva

[elza fraga, matutando... só matutando...]

domingo, 13 de novembro de 2016

E MAIS NADA

(e se tentas colocar/ contenção com tua mão/ pra me parar/ saiba com toda a certeza/ que perdi o freio/ feio/ e venho descendo rio/ numa louca correnteza/ pra desaguar no teu mar...)

Me traga um pouco
da maresia lá do litoral
um pouco de sal
pra deixar meu corpo
desse jeito
que te deixa louco

me traga a onda mais serena
dessas que lambem as pernas
apenas
um pouco da espuma
e da areia
que te incendeia
a carne

me traga o vermelho da tarde
caindo dentro do horizonte
no mar mais longe
que teu olho alcançar

me traga o moreno
do teu dorso
e deposita bem aqui
no meu regaço

que eu me me traço
toda em colorido
pinto palavras de amor
ao teu ouvido
planto meu ventre
entre tuas coxas

depois...
depois cada um
é cada
acordando satisfeito
do sonho sonhado
bem perfeito

na própria cama,
na própria casa,

mais nada...

DESCENDO A CORTINA



Emudeci,
calei o que sabia
de ti,
não contei detalhes,
omiti, cortei
o the end infeliz,
quem quis saber
procurou me entender
pelos retalhos,
já quem preferiu se doer
e pensar que fui eu
a metade que calo,
o ato falho,
só falo:
tenta não meter bedelho
e sai a procurar
um outro enredo
numa outra vida
menos gris,
que a minha
já tem lances
e romances
demais,
além do medo,
pra virar filme
de segunda
na imaginação
fecunda
de quem quis
apenas
ser minha mão
dirigindo
a minha pena,
o meu coração,
eu nem caibo
numa história
tão pequena...
encerra a cena.
[elza fraga]

IN-TOXICADA


Só me restou seguir
não tinha seta de “retroceda por favor duas esquinas, dona menina,” e fui, e vou, e sigo, e consigo ser cada vez mais pior que fui, que sou, que vou conseguir ser talvez quem sabe ainda um dia na projeção de como poderia, num insucesso de mim, estar no fim, desorientada me tropeço pelos medos, as pedras do insólito caminho me cortam os dedos, uma a uma armadas, armadilhadas desde cedo, colocadas como espinhos, sei muito bem que só o seu carinho cura e conserta cada ralada melhor que o vinho, mas sei também que não se vende mais em nenhuma drogaria aberta nessa droga de vida hoje deserta, então nem me cuido injeto seringa cheia de ódio na veia, paliativo que finge adormecer a dor qual curativo, única droga que ainda me aquieta e deixa o sangue vivo, entre todas as drogas inconfessas, que a nossa história sem começo, sem fim, sem pé e sem cabeça, já é a minha droga predileta entre as agruras, que enfim, no fundo, tudo é mesmo droga que se mistura... droga de mundo droga de mim! [elza fraga]

sábado, 12 de novembro de 2016

ANTES



Meu quintal encheu da  hera
que invadiu muro e tela,
cercou minha alma de mato
onde antes era terra,
semente, flor, e jardim,

nada mais brotou em mim.

Meu quintal não tem mais pasto,
nem mais cor, nem alecrim,
fechou de cerca e floresta
a fresta por onde eu via
o raiar de novos dias

onde
em festa chovia
poesia.

Não enxergo mais o céu,
nem o sol, nem o infinito,
tudo o que era bonito
tornou-se feio e vazio,
não há mais nem horizonte,

nem ponte pra atravessar
o rio do desespero,
nem grito sai da garganta
em prece, uivo ou apelo,

e tudo o que eu preciso
é do sol morno de volta
pra adormecer meu medo,

e espero acomodada
na rede da tua lembrança
sem ter nem dor nem revolta
mas prenhe de esperança
dum dia de recomeço
em que tua presença se plante

se abrindo em primavera,

que o mundo gire ao avesso
e que tudo volte a ser
daquele jeito que era
lá num passado distante

antes!

[elza fraga]

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

VÍCIO





E pela fresta
da minha alma
aberta
encontrei a festa
e a calma
da sua presença
a colori
todinha de arco iris
e a prendi
na iris
pronto
eis o refém
o resgate
a permanência
acabaram-se os dias
de tormenta
as tardes cinzentas
a vida vazia
agora só a euforia
movimenta
a vida
e arrepia
os pelos
na ousadia
e no desmazelo
da cama vadia
fiz-me sua
e acabei
com minha vontade
tornei-me
pedaço do seu todo
carne da sua carne
matei a própria identidade
em busca da sua resposta
eis-me feliz
renegando a alforria
eis-me feliz
mas totalmente
morta
você vicia!
[elza fraga]


NÃO JOGO PARA PLATÉIA



A felicidade hoje
me preencheu
de tal maneira
que nem sei por onde
começo a comê-la,
se pelas entranhas
já meio roídas
ou pelas beiras.
Só sei que
esse sorriso bobo
se tatuou no meio
da minha cara,
meio tosco,
meio disfarçado,
meio maroto,
eu sei porque
e você também sabe,
e se nós sabemos
o que vai importar
à claque
em que bolso
a alegria
nos cabe?

[elza fraga]


domingo, 6 de novembro de 2016

REBOTALHO


A dor escreve poesia
melhor que a alegria?
Ou a passividade é que nos faz
em calmaria de dias covardes
que nem descem e nem saem
de cima
fazer a rima do tempo?
O amor escreve poesia
mais contundente
dessas que se balançam ao vento?
Ou é o coração demente de paixão
que só enxerga o que está amado
e se perde em tolos poemas
desarmados?
O poema é o inverso
ou o reflexo?
É a inquietude
ou o tormento?
É a tormenta
ou a consequência
da tempestade?
É o que não se pode dizer
no cara a cara
ou é o que arde?
É a escara da alma
que cansada se fere
ou é a bandagem?
É o que se corta em retalhos
ou o poema é só o rebotalho
o que sobrou de bagagem?
O joio separado
ou o preparado inferno?
O que externo
e não encalho
na areia do caos?
É o que veio de mais
e regurgito
e vomito
e não calo?
O poema é minha dor
com rascunho rasgado?
É o passado
a limpo
sem anestesia?
Ou é a doida mania
de jogar no ar
o que me entope e que me impede
de respirar?
[elza fraga]


sábado, 5 de novembro de 2016

MANIA




Soube que você
tinha feito morada
definitiva
assim que adentrou a sala
se instalou no quarto
e me roubou a alma

não mais iria se mudar de casa
pensar outra estalagem

aqui não pagaria hospedagem
estava na cortesia
do meu coração

jamais imaginei
outra situação
que não fosse
tendo você de parceria

mania minha de inventar finais felizes

mania...

[elza fraga]

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

PEGA O SEU POEMA



'Quero um poema
só meu'
- fez o pedido
com um olhar
meio travesso -
'eu mereço'
sussurrou-me então
ao ouvido

peguei os cabelos
da sua nuca
e sem dó
enchi a mão

encostei só meu coração
ao seu
na mais completa
comunhão

e duvido
que alguém tenha feito
poema melhor que esse
- e dessa maneira -

de carne, músculos e grito

escrevi não um poema

mas uma história
inteira!

[elza fraga]



domingo, 30 de outubro de 2016

TENTA...




Sabe aquela ideia
de me esquecer?

Vai falhar.

Sabe aquela vontade
de me tirar da mente?

Não vai dar.

Sabe o procurar em outras
meu sabor?

Não foi, não deu, não rolou.

Sinto tanto por você
meu caro e querido
ex amor
mas vou morar na sua cabeça
até o seu suspiro derradeiro

pega a cadeira e sai pra varanda
senta
e
tenta de novo ensaiar adeus,
tenta...

[elza fraga]


sábado, 29 de outubro de 2016

ESTRAGO


Seu pensamento
não sai
do meu quarto
do meu leito
por mais que instale barreiras
na mente
por mais que tente acalmar meu peito
por mais que feche portas e janelas
e coloque cadeados na tramela
por mais que prenda a mente
em silêncio
pra que ele - malfazejo -
não me localize
e se una a corrente
do meu desejo

mas guloso passeia minhas coxas
sonha com meus cabelos
se deleita no meu beijo
se derrama nos meus olhos
me suga os pelos
se enrosca nos meus braços
e passeia a língua em cada traço
do meu rosto
do meu pescoço
temente desce
e me explora cada curva
em oração e prece

seu pensamento
é quase um mortal pecado
inconformado

se não fujo dele
muito me acabo
e lhe pergunto

até quando iremos separados
caminhando juntos
lado a lado?

[elza fraga]


sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O DESPERTAR



E eu que não cantava e não sorria
não bebia a vida
em taças frágeis
com medo de despedaçar
meu mundo
e quebrar meu coração
onde as feridas
cortavam fundo

aí chega você
e seu jeito vagabundo
e muda meu rumo
e me aponta o norte
e diz que vai mudar a minha sorte
e que vou conseguir ficar feliz
outra vez pra sempre

e eu acredito
e rio e danço pra você
e meu corpo se abre em primavera
tudo em mim gira
estranha festa
e lembro das cantigas mais antigas
e volto a cantar e a florir

e me visto de roupas coloridas
e me abro ao sol
e me entrego ao mar
e me perco definitivamente
no seu olho
e faço poesias ao luar
busco seu colo abrigo e consolo
e me deixo levar pela maré

só que sonhos acabam com o dia
por mais que se tenha fé na utopia

o despertar é balde de água fria
e é o tempo que marca e encarcera

e me descubro
bem mais só
que antes era...

bem mais só
que antes era...

[elza fraga]



domingo, 23 de outubro de 2016

DAS VANTAGENS DE SER BRUXA



Quem está na vassoura voando alto não leva rasteiras.
Quem tem a feiura como companheira não atrai inveja.
Quem olha de cima escolhe melhor o alvo.
Quem tem caldeirão, poção, varinha mágica, não precisa da proteção humana.
Quem tem gato por perto não corre de rato.
Quem sabe palavras de encantamento nunca fica sozinha.
Quem só caminha por trilhas estreitas, e no escuro, treina a visão noturna.
Quem tem a chave de controle de tempo envelhece mais lento.

Bruxa só-ri, sempre, e por isso amedronta, seres humanos não gostam da alegria exibida e se mantem a distância.
Bruxa quando não é correspondida em seus anseios transforma o infiel escorregadio em sapo.

E vamos combinar, o chapéu pontudo confere um certo ar de ''não estou nem aí'' que cai muito bem em bruxas de todas as idades.

E ainda me perguntam porque deixei a candura, a varinha de condão e as roupas volumosas em azul e rosa...
Ser bruxa é muito mais interessante que ser fada.
#SóAcho


elza fraga, quase sarcástica em mês das bruxas


 — 

Xeque Mate



Meu coração
é todo anatomia
louca,
todo mãos, olhos,
boca,
todo pernas, braços
que se alongam
em tardes frias
na varanda
do peito,

dorme em leito
de lençóis macios,
se estica em abraços,
gosta de carícias,
e não perde esse jeito
de menino,

sente tua pele e arrepia,
volta correndo pro ninho
e inquieto
tenta o aconchego
desfaz os teus cabelos
desarruma tua vida,

meu coração, como eu,
não procura incerto
nas lonjuras do tempo,
sabe que está logo ali
o alimento,

anda farejando teu cheiro
por perto
e se mantém insonemente
desperto
em estado de espera
até a hora do ataque,

xeque Mate,

o bote é certo!

[elza fraga]

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

ATRAVESSANDO TEMPESTADES


Espera na varanda
da casa sem janela
passar o temporal

que passa!

Escancara a porta
quebra a tramela
que importa o vendaval

sobrante?

Se a tormenta canta
ainda assim levanta
e corre ao portão

e por que não?

Segura  em tuas mãos
meu coração pulsante
é teu oferecido

em ritual.

E que na travessia
do portal da vida
na terra indefinida

sejamos sobrevida...

Que nem sou dessa estrada
sou de outras plagas
mas te levo comigo

é só enfim

te segurar no abrigo
dos meus braços e mãos

e assim
nunca teremos fim...

[elza fraga]

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

FOI ENGANO


Só vou onde sou querida,
só fico onde sou amada,
só me demoro a pedidos...
Ou é assim ou é nada.
Não me ato aos desamores
ou calores passageiros,
só me prendo ao que me é caro...
Não quero menos que inteiros.
Não me domino no medo
a sombra de mata alheia,
fico enquanto tiver viço...
Sou só de quem me dá riso.
Procuro o derradeiro
caminho onde me complete,
não ao que se oferece
junto a despenhadeiro.
Para armar a minha rede
preciso da segurança
de florido e verde plano,
se não for assim avia,
pode ir para a coxia
e mandar descer o pano
que com certeza é engano!
[elza fraga]

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

CERTEZA DA PARTIDA



Se aqui estou de passagem
e se ao partir deixo tudo
o que colhi de bagagem
nem hei de atravessar
um centavo do caminho
por que insisto em ajuntar
sonhos torpes pelo mundo
em taças de fino vinho?

E por que o vagabundo
do coração no meu peito
não toma tenência e jeito?
Por que então sofro tanto
choro e me descabelo
se o alvo dos meus anelos
nem sabe se vou ficar
até a noite surgir?
Até o dia voltar?

E se agindo assim
juntando trapos e dias
juntando pão e vasilhas
juntando mãos tão vazias
tentando prender um pouco
de vida na concha dos dedos
tentando juntar meus medos
pra depositar aos pés
desse amor que no segredo
nublou dias infiéis,

eu só consigo notar
que foi como um furacão
que me tornou em verão
deixando devastação
incêndio, fogo, degredo.


E se sei que só consigo
perder-me pelas estradas
por que ousada ainda assim
insisto na empreitada?

Melhor seria deitar.
Talvez morrer, descansar,
se é que morte é descanso?

Ou lutar contra a corrente
que teima em me afogar
em me  tirar do lugar,
me jogar em cada canto
onde só mesmo o seu encanto
insiste em me trazer
lembranças doces e infindas
do tempo em que eu era
menina ainda... e apesar?

Não sei mais me apartar
do seu córrego que desce
a serra verde, encantada
e por mais que o tempo mude
as estações e as estradas
eu volto rebelde e louca
pro seu colo e seu entorno
e me entorno no seu olho
e me perco de danada

e faço ouvido de mouca
para as placas espalhadas
que há perigo iminente
nas curvas acentuadas
do seu corpo inconsequente
que fere mais que acidente
que mata mais que trombada.

Vou morrer só por querer
me superar, prender você,
escorregadio e indolente,
nos devaneios que levo
no silêncio da madrugada
onde me perco demente
e me transformo em semente

de fruto de quase nada!

[elza fraga]



domingo, 25 de setembro de 2016

PLANO SECRETO



Trazer você dum passado
distante,
nesse exato instante

desamarrotar o amarrotado
desfazer o contrato
que o tempo infeliz
assinou como projeto:
"Eu aqui
você lá atrás"

esse é
o meu plano secreto.

[elza fraga]

ELE...




Ele,
apenas isso
não eu e tu,
só ele...
parado,
intacto,
voltando do passado,
sorriso congelado
no rosto frio
do retrato.
[elza fraga]


QUE FAÇO SE ACORDO COM TEU NOME / DEBAIXO DAS RUGAS INSONES?



Que faço se acordo com teu nome
debaixo das rugas insones?

E se durmo com ele? E se vivo com ele nas manhãs vazias? E se essa agonia nem mais me assombra pois tornei-me em tua ameaçadora sombra, e acostumei-me a triste fantasia de desenhar-te em paredes sombrias, dentro da alma que ensandecida sente fome de ter-te por perto, noite após noite, dia após dia, como uma história dentro de gaiola que se repete em monotonia, como ondas em escuridão e fúria que nem mais sabe em que seguras praias irá desembocar tardia murmurando teu sagrado nome em poesias incorretas, incerta, louca, desperta, fitando a terra onde só os loucos e os solitários dormem... insonemente poeta. [elza fraga]

domingo, 4 de setembro de 2016

DECLARAÇÃO DE ETERNO AMOR




Cheguei 'inda agorinha 

e o coração já estreito,

mar o que fazes comigo, 

qual o poder do feitiço, 

por que me atrai desse jeito? 

Não me queres como amigo? 

Amante já sou, 

ré confessa, 

um dia, nesses teus braços, 

farei meu pouso e abrigo, 

atravessarei para a festa 

do plano além do infinito 


mais longe do que o já visto.


[elza fraga]

Imagem: Foto elza fraga, Marataízes, ES.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

MANIA



Eu teço textos,
direitos ou avessos,
mas apenas isso...

Eu não me teço!

Não há biografia,
geografia
de qualquer pedaço,
parte do meu mapa,
miolo ou capa,

nem vou junto
atada de laços
no contexto.

Apenas nuvens
que me nascem
sem controle ou culpa,
sem desculpa,
sem muita serventia,

me vem de dentro
mas não são lamentos,
pertences,
vertentes,
são só palavras
que eu aglomero,
intero,
e tento dar cor.

Se vivo parindo poesia
é mania

não é dissabor.

[elza fraga]

Fonte da imagem: Internet.

QUERO MORRER NO TEU ABRAÇO... POSSO OU PASSO?




(E seria / ainda mais legal / ter-te / pra sempre / em meu quintal!)

Eu queria
morar no teu abraço
ao menos uma vez
pra sempre...

Se é que entendes
essa urgência
d’eu não estar comigo
aqui...

Mas me mostraste
a saída de emergência

e eu entendi!

[elza fraga]


Fonte da imagem: http://celsitcho.tumblr.com/

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

COMO O VENTO



(Como o vento, como o ar, não é preciso ver para lembrar)

Quem sabe um dia eu consiga te tirar
das lembranças infelizes que mantive
que, decoradas na minha memória,
ficaram penduradas como história.

Quem sabe um dia eu consiga te tirar
do fundo da minha retina,
do verde da menina dos meus olhos,

desse olhar vago que teima em fixar
tua silhueta dobrando cada esquina.

Quem sabe um dia eu consiga te tirar
dessa parede da sala de estar
em que parado na  tua indiferença
ficaste apenas para me mostrar
o quanto de nada
é pra ti minha presença.

Quem sabe um dia eu consiga te tirar
dos pensamentos inquietos,
barulhentos
que como folhas carregadas
por um vento enfurecido
ensurdecem doído em meus ouvidos.

Quem sabe um dia eu consiga te tirar
dos sonhos que me pegam acordada
e me deixam varar as madrugadas,
e em castigo te trazem aqui, comigo,
sem a esperança e o descanso de dormir.

Quem sabe um dia eu consiga te tirar
da insanidade desse querer todo impossível
que só existe do lado de cá...
é quase uma história que escrevi
e que não aprendi bem a contar,
e por isso, só por isso, enlouqueci
bem antes da história acabar.

Quem sabe um dia eu consiga te tirar
daqui do fundo em que te guardei
e esqueci em que canto enfiei
o segredo, a chave, a fechadura,

e me deitei,

não sem antes
lacrar a abertura,
e deixar enferrujar
a armadura,
e expirei todo o ar
que era a cura

e morri,

mas - esquecida,
não andei
pra sepultura.

[elza fraga]

domingo, 28 de agosto de 2016

PARA QUE SERVEM AS MÃOS



Mãos tecem textos
em compulsão,
mãos buscam,
afagam,
expulsam.

Mãos calam,
mãos falam.

Mãos misturam
em alquímicas receitas
o pão,
e sustentam
a harmonia

quando a mesa
está vazia.

Mãos ajeitam cobertas
de filhos, de amores,
de afetos,
de amados e amantes...

dos que ficam,
dos passantes.

Mãos se puxam,
se empurram,
pra conseguir caber
em corações alheios.

Mão é freio
que segura emoções,
e é o laceio que afrouxa
e dá tom bonito
ao antes feio.

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Mas a mesma mão que um dia
abençoa
em nome de Deus,
sabe bem a hora do desapego

e de acenar
o adeus.

[elza fraga]

IMAGEM: Mão de elza fraga em clique próprio

sábado, 27 de agosto de 2016

NASCI MULHER




(Resposta a uma feminista que não entendeu que ela pode ser o que quiser, que eu aceitarei, respeitarei sua escolha e acatarei o seu conceito, mas respeite também a minha condição, pois ser mulher, e cheirosa, é prerrogativa e direito meu!)

Não foi sem pedir,
ninguém me obrigou a nada,
rolou negociação,
escolhi junto com a equipe
da reencarnação
que queria em matéria
ser Maria,
e não João.

O corpo é meu
e dele faço uso.
E se me apaixono,
ou amo, ou desejo,
parto primeiro pro beijo,
pro abraço apertado,
se continuar gostoso,
eu até caso.

Sou mulher sim,
não pra lavar louça
ou cuidar de macho,
aprendi que eles se cuidam
muito bem sozinhos,
abrem seus próprios caminhos
assim como os meus
sou eu que abro.

Sou mulher pra ser igual,
não complemento.
Não sou fermento para fazer
macho crescer
e me deixar adormecer
virando sombra,
vaga figura de ornamentação.

Eu sou mulher,
por opção, escolha minha,
e satisfeita com minhas funções
que os homens já tem lá as suas,
diferentes, mas do mesmo valor,
me deixem por aqui,
quieta com as minhas,
por favor.

Respeito o direito
de quem é diverso e pensa diferente,
então respeite também meu pensamento,
pois não nasci mulher
por algum engano
ou trapalhada
de um anjo torto,
nasci por gosto.

Nasci mulher porque pra isso
fui fadada,
sou meio bruxa,
sou quase fada.

Ando tentando fazer o meu dever direito
até passar para o outro plano.

Quem sabe na outra encarnação
ao invés de vir Maria
eu queira vir João?
Aí eu negocio com a equipe
que do outro lado não tem conversinha,
nem lamento,
é tudo na negociação
e no merecimento.

Mas por enquanto ser mulher só me faz bem,
e é tão doce
poder encostar meu rosto
no peito
do homem que escolhi,
ou escolher,
e me saber frágil nessa hora
e forte também.
Afinal quem sai ganhando?
Eu que me derreto em dengo
ou ele que me seduz,
e tem um trabalhão danado
pra me fazer luz?

Ninguém!
Nós empatamos.

E me orgulho, e muito,
de poder ser até ser mãe
se entender
que é isso que eu quero ser...
e entendi,
e quis, me fiz matriz,
preenchi duas vezes
meu útero de amor,
nada me faltou,
pois hoje sou!

[elza fraga]

IMAGEM: Retalho de elza fraga em clique próprio