QUEM VEM COMIGO

domingo, 27 de março de 2016



O TEMPO É MEU
(não o inverso!)
Meu tempo eu que divido
que encomendo
que decido
- controladora do dia,
cada segundo é meu guia,
mas é meu
e me pertence,
mesmo que ele me imprense
e me empurre para frente
e me envolva
plenamente
no seu bojo
quando pensa que é meu dono
só faz é papel de tolo.
[elza fraga]
Imagem
trecho da música "Tocando em Frente" de Renato Teixeira.

sexta-feira, 25 de março de 2016

FUGA




Acordei com a poesia
atravessada na garganta
 - espinha de peixe
ferindo e sangrando -
magoando calada
e se fazendo de mouca,

achou que não era dia
de dar o ar da graça
e saiu porta a fora,
pulou o muro
feito louca
como se isso fosse
coisa que se faça
com poeta...

Quando voltar,
eu juro,
nem vai encontrar mais
porta aberta!

[elza fraga]

terça-feira, 15 de março de 2016

MUDANÇA DE ENGANO



Vou embora na sexta
choramingo
deixo pro sábado
mais gente na rua
pra acompanhar
meus passos

melhor esperar o domingo
semana que vem
mês que vem
próximo ano

acostumei-me
com o quotidiano

mudar de rumo
é só mudar de engano

[elza fraga]


terça-feira, 1 de março de 2016

OREMOS POR NÓS...



para que ainda exista
um futuro
além desse rio escuro
que corre com pressa
derrubando muros,
invadindo nossas incertezas.



Oremos por nós
para que o rumo apareça
e desapareça esse torpor
que nos engessa
e chega cada vez mais perto
do desespero e do medo.


Oremos por nós
que clamamos no deserto
sem oásis por perto
sedentos
ajoelhados a sorte.


Oremos por nós
que nada sabemos
da vida
e batemos cabeça
zonzos, infelizes,
procurando resposta
quando só nos dão pergunta,
desafios e apostas


Oremos por nós
os renegados da sorte
para que a morte,

num acarinho no leito,

 quando chegar a hora
certa
(pelo menos ela)
nos aceite

[elza fraga]

CANTIGA DO FIM DO MUNDO



Se um dia a luz voltar
e espantar a escuridão
e a alma tão ferida
recusar nova estação.


Se a paz se renovar
e no mundo renascer
e a alma tão contrita
se recusar a crescer.


E qual criança doída
berrar a pleno pulmão
nunca mais que nessa vida
vou permitir o verão,


numa birra dolorida
da dor da própria razão
continuar a cantiga
insistindo no refrão


"Não vai haver verão,
nunca mais,
não vai haver verão."


Se o homem em desespero
perder toda a lucidez
e a alma entontecida
aceitar a insensatez.


Se o ódio encolher
e o amor tecer a mão
vestimentas de amparo
de amor e proteção,


e mesmo assim
a alma bendita
renegar a bendição
se trancar no próprio medo


e desinventar a vida
e mudar as estações
e arrancar do seu cenário
a esperança dos verões.


E se o mundo tão ferido
obedecer ao comando
e deixar que a alma siga
as setas do fim de tudo,


até se perder no abismo
do mais profundo oceano
caminhando com seu plano
com seu destino e sua cruz


e soprar de vez a luz...

Restaria o vazio
no meio do temporal
nunca mais nenhuma queixa


que o homem,
esse grande mal,
é que contamina o puro...


Se escutaria então a voz
do Criador universal
rouca, longe, gultural


vinda de muito fundo

deixa que vá em paz
pros quintos
do fim do mundo!


 [elza fraga]