QUEM VEM COMIGO

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

EN-SAIO SOBRE O AMOR

O amor atropela, fura sinal, avança e segue pela contramão da temperança e da lucidez.
O amor não pede licença, não bate na madeira da porta, não toca campainha, não avisa a chegada antes de entrar.
O amor é sorrateiro, sinuoso, perigoso, ardiloso, cheio da empáfia que o nome lhe permite.
O amor não segue setas, não respeita domínios, não retrocede na esquina, não desanima no fracasso.
O amor insiste, vence, domina, se impõe, repete a lenga lenga que sabe funcionar no coração marcado para abate.
O amor não é fraco não, não cai pelo caminho, não se deixa abater, desanimar, descalçar;
Amor de verdade volta todos os dia a mesma hora, ou em horas incertas quando quer causar aflição. Mas volta, nem que seja pra lembrar que ele está vivinho.
O amor não é pra amadores, não é para espíritos frágeis, não é para covardes.
O amor é para matreiros, caçadores, guerreiros armados.
Não é pra quem se defende escondido pelas cobertas do medo
É pra quem tem ousadia.
Amor não é brinquedo, mas quebra, acaba a corda, se entorta e vai embora.
Escorrega pelos dedos como areia, não deixa nem presença, mas deixa gosto.
A alma sabe disso e se preserva, e se retira, e sai da arena, e perde o melhor da festa.
Porque o amor é grande demais pra caber numa vida só, ele atravessa, e segue.
O amor é doença, então atenta e fuja da vacina, melhor ter amor umas dez vezes na vida e contagiar aos incautos, que ter o remédio... Porque o amor pode ser tudo, pode ser nada, pode ser o que caiba no peito, mas nunca deve ser usado em doses altas como remédio, em dúvida leia a bula!

[elza fraga]
...

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A NOSSA ESPERA


Sabia que viria
pelas cortinas da janela
sempre abertas
vi seu sorriso
chegando na esquina

sabia que viria
não me deixei
tomar o desespero
nem o medo
nas noites vazias

só esperei
e tão longa foi a espera
que os anos passaram
como um vento na cancela
sobre tanto tempo insone

e na minha prece
murmurei seu nome
e na minha fome
foi ele meu pão
o santo da minha devoção

mas em verdade
a sua imagem
congelada na retina
me poupava da vida
me salvava da sina

me preservava menina
presa da esperança

mansa
sabia que um dia enfim
você viria de novo para mim
e tudo voltaria a ser o que era
em outras eras

e agora que dobra
a curva do caminho
alquebrado
talvez por tantos ninhos
tantos pousos que sentiu

seu coração

eu apenas estendo as mãos
e abro meus braços
prendo você
no mais doído abraço
e lhe mostro as setas

acerto seu peito
no meu peito
sua cabeça repousada
em minha testa
e cerro as cortinas

agora que é tudo festa
(ai quem me dera)
que nunca mais se abra
a porta
a cancela

a janela

o portão de ferro
a tramela

que só a eternidade
se abra

a nossa espera...

[elza fraga]

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

POESIA NEM SEMPRE É BIOGRAFIA

Meus poemas não sou eu, não me retratam, não me denunciam, não biografam... São poemas apenas que contam histórias recolhidas em filas, em ruas, praças, parques, na ventania das manhãs e tardes.
Minha poesia não me define, não conta o meu tempo, meus dias, não fala nada da alma, que essa - a minha, é calma como uma menina que ainda não aprendeu as armadilhas da vida, apesar da cronologia covarde não deter os aniversários.
Não esperem nada meu dentro dos poemas que escrevo, não me ato em fitas e me jogo ao relento, ao julgamento dos que seguem a mesma trilha, apenas passo registrando o que os pássaros me contam, os que as flores me segredam, o que as pessoas não mais me sonegam, e de maravilha em maravilha, vou correndo todas as coxias, arregalando o meu olho deslumbrado em perceber como esse mundo é vasto de histórias.
Não sou eu nos meus poemas, apenas o que a memória registra, grava na fita das emoções e traz tentando ajeitar, romancear, fazer bonitas as passagens antes feias. 
Leiam como ficção, e se lhes falar ao coração, não se sintam constrangidos em reconhecer situações.
A minha poesia cabe em qualquer um que respira, tenha a idade que tiver. Nem a crença que o habita, o status, a ousadia, o temperamento, pode afastar aquele que se habilita à poesia, do poema que lhe fez vestimenta! 
Fique a vontade, se vista, se queime, se ache...
Que eu, daqui, também me ardo, e alicerço, em versos. 
#SóAPoesiaSalva

[elza fraga, matutando... só matutando...]

domingo, 13 de novembro de 2016

E MAIS NADA

(e se tentas colocar/ contenção com tua mão/ pra me parar/ saiba com toda a certeza/ que perdi o freio/ feio/ e venho descendo rio/ numa louca correnteza/ pra desaguar no teu mar...)

Me traga um pouco
da maresia lá do litoral
um pouco de sal
pra deixar meu corpo
desse jeito
que te deixa louco

me traga a onda mais serena
dessas que lambem as pernas
apenas
um pouco da espuma
e da areia
que te incendeia
a carne

me traga o vermelho da tarde
caindo dentro do horizonte
no mar mais longe
que teu olho alcançar

me traga o moreno
do teu dorso
e deposita bem aqui
no meu regaço

que eu me me traço
toda em colorido
pinto palavras de amor
ao teu ouvido
planto meu ventre
entre tuas coxas

depois...
depois cada um
é cada
acordando satisfeito
do sonho sonhado
bem perfeito

na própria cama,
na própria casa,

mais nada...

DESCENDO A CORTINA



Emudeci,
calei o que sabia
de ti,
não contei detalhes,
omiti, cortei
o the end infeliz,
quem quis saber
procurou me entender
pelos retalhos,
já quem preferiu se doer
e pensar que fui eu
a metade que calo,
o ato falho,
só falo:
tenta não meter bedelho
e sai a procurar
um outro enredo
numa outra vida
menos gris,
que a minha
já tem lances
e romances
demais,
além do medo,
pra virar filme
de segunda
na imaginação
fecunda
de quem quis
apenas
ser minha mão
dirigindo
a minha pena,
o meu coração,
eu nem caibo
numa história
tão pequena...
encerra a cena.
[elza fraga]

IN-TOXICADA


Só me restou seguir
não tinha seta de “retroceda por favor duas esquinas, dona menina,” e fui, e vou, e sigo, e consigo ser cada vez mais pior que fui, que sou, que vou conseguir ser talvez quem sabe ainda um dia na projeção de como poderia, num insucesso de mim, estar no fim, desorientada me tropeço pelos medos, as pedras do insólito caminho me cortam os dedos, uma a uma armadas, armadilhadas desde cedo, colocadas como espinhos, sei muito bem que só o seu carinho cura e conserta cada ralada melhor que o vinho, mas sei também que não se vende mais em nenhuma drogaria aberta nessa droga de vida hoje deserta, então nem me cuido injeto seringa cheia de ódio na veia, paliativo que finge adormecer a dor qual curativo, única droga que ainda me aquieta e deixa o sangue vivo, entre todas as drogas inconfessas, que a nossa história sem começo, sem fim, sem pé e sem cabeça, já é a minha droga predileta entre as agruras, que enfim, no fundo, tudo é mesmo droga que se mistura... droga de mundo droga de mim! [elza fraga]

sábado, 12 de novembro de 2016

ANTES



Meu quintal encheu da  hera
que invadiu muro e tela,
cercou minha alma de mato
onde antes era terra,
semente, flor, e jardim,

nada mais brotou em mim.

Meu quintal não tem mais pasto,
nem mais cor, nem alecrim,
fechou de cerca e floresta
a fresta por onde eu via
o raiar de novos dias

onde
em festa chovia
poesia.

Não enxergo mais o céu,
nem o sol, nem o infinito,
tudo o que era bonito
tornou-se feio e vazio,
não há mais nem horizonte,

nem ponte pra atravessar
o rio do desespero,
nem grito sai da garganta
em prece, uivo ou apelo,

e tudo o que eu preciso
é do sol morno de volta
pra adormecer meu medo,

e espero acomodada
na rede da tua lembrança
sem ter nem dor nem revolta
mas prenhe de esperança
dum dia de recomeço
em que tua presença se plante

se abrindo em primavera,

que o mundo gire ao avesso
e que tudo volte a ser
daquele jeito que era
lá num passado distante

antes!

[elza fraga]

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

VÍCIO





E pela fresta
da minha alma
aberta
encontrei a festa
e a calma
da sua presença
a colori
todinha de arco iris
e a prendi
na iris
pronto
eis o refém
o resgate
a permanência
acabaram-se os dias
de tormenta
as tardes cinzentas
a vida vazia
agora só a euforia
movimenta
a vida
e arrepia
os pelos
na ousadia
e no desmazelo
da cama vadia
fiz-me sua
e acabei
com minha vontade
tornei-me
pedaço do seu todo
carne da sua carne
matei a própria identidade
em busca da sua resposta
eis-me feliz
renegando a alforria
eis-me feliz
mas totalmente
morta
você vicia!
[elza fraga]


NÃO JOGO PARA PLATÉIA



A felicidade hoje
me preencheu
de tal maneira
que nem sei por onde
começo a comê-la,
se pelas entranhas
já meio roídas
ou pelas beiras.
Só sei que
esse sorriso bobo
se tatuou no meio
da minha cara,
meio tosco,
meio disfarçado,
meio maroto,
eu sei porque
e você também sabe,
e se nós sabemos
o que vai importar
à claque
em que bolso
a alegria
nos cabe?

[elza fraga]


domingo, 6 de novembro de 2016

REBOTALHO


A dor escreve poesia
melhor que a alegria?
Ou a passividade é que nos faz
em calmaria de dias covardes
que nem descem e nem saem
de cima
fazer a rima do tempo?
O amor escreve poesia
mais contundente
dessas que se balançam ao vento?
Ou é o coração demente de paixão
que só enxerga o que está amado
e se perde em tolos poemas
desarmados?
O poema é o inverso
ou o reflexo?
É a inquietude
ou o tormento?
É a tormenta
ou a consequência
da tempestade?
É o que não se pode dizer
no cara a cara
ou é o que arde?
É a escara da alma
que cansada se fere
ou é a bandagem?
É o que se corta em retalhos
ou o poema é só o rebotalho
o que sobrou de bagagem?
O joio separado
ou o preparado inferno?
O que externo
e não encalho
na areia do caos?
É o que veio de mais
e regurgito
e vomito
e não calo?
O poema é minha dor
com rascunho rasgado?
É o passado
a limpo
sem anestesia?
Ou é a doida mania
de jogar no ar
o que me entope e que me impede
de respirar?
[elza fraga]


sábado, 5 de novembro de 2016

MANIA




Soube que você
tinha feito morada
definitiva
assim que adentrou a sala
se instalou no quarto
e me roubou a alma

não mais iria se mudar de casa
pensar outra estalagem

aqui não pagaria hospedagem
estava na cortesia
do meu coração

jamais imaginei
outra situação
que não fosse
tendo você de parceria

mania minha de inventar finais felizes

mania...

[elza fraga]

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

PEGA O SEU POEMA



'Quero um poema
só meu'
- fez o pedido
com um olhar
meio travesso -
'eu mereço'
sussurrou-me então
ao ouvido

peguei os cabelos
da sua nuca
e sem dó
enchi a mão

encostei só meu coração
ao seu
na mais completa
comunhão

e duvido
que alguém tenha feito
poema melhor que esse
- e dessa maneira -

de carne, músculos e grito

escrevi não um poema

mas uma história
inteira!

[elza fraga]